quinta-feira, 8 de janeiro de 2015




“Não é que eu esteja procurando no infinito

A sorte pra andar comigo.” 
É só uma ajuda da tecnologia.
Um supermercado de sentimentos.  
As dicas e os pontos de vista ao alcance dos dedos. 
Meirinha é manicure.
Procura todos os dias com as unhas bem pintadas o maior amor  do mundo na tela pequena do celular.
centenas de fotos e bigodes e óculos se apresentam.
Quase toda semana ela encontra um grande amor  que não dura  duas mensagens. 
Não quer ninguém com mais de cinquenta anos.
Tem medo de ficar viúva. 
Contou isso enquanto trabalhava e uma cliente perguntou se ela afinal sabia quando iria morrer.
- não.
- então não faz diferença Meirinha.
Na verdade nada fazia muita diferença e esse era o problema.
O Tinder tem muita gente parecida .

Ela não reclama. No século passado era muito pior e parece que foi ontem.  
Bilhete no guardanapo de papel que o garçom entregava.
Meirinha já respondeu um com lápis de sobrancelha.
Deixou telefone de casa e do serviço.
O rapaz ligou na hora errada umas duas vezes
mas teve perseverança e ligou até dar certo.
Ficaram juntos muito tempo.
Do dia do bilhete ate o dia de ir embora foram uns sete ou nove anos.
Mas isso também já faz muito tempo. De lá pra cá Meirinha conheceu mais rapazes do que todas as suas primas de Piracicaba juntas.
Jefinho que era patinador, Geraldo que era mestre de obras,
Um dono de loja de azulejo antigo, um colecionador de selos.
Aprendeu que os paulistanos dão só um beijinho no rosto, os cariocas dão dois e os mineiros, três pra casar.  Se acostumou com sotaques mas não se acostumou com ninguém do seu lado e vice versa.
Ficou meio esquecida do Tinder quando comprou seu primeiro carro. Um corsa vermelho dois mil e sete amassadinho na porta que nem dava pra ver. 
O moço do posto de gasolina reparou;
- o que aconteceu dona?
- ela nem tinha visto aquele amassado. Ficou encantada com o carro na loja e combinou depressa as 72 parcelas e saiu  com ele encantada e quase sem gasolina. Aos trinta e nove anos era a primeira vez que parava em um posto de gasolina pra abastecer.
Era também a primeira vez que sentia aquilo. Calafrio misturado com boca seca e mão molhada. O frentista em pé olhando pra ela com um sorriso breve.
Os dois se  olhando e entendendo que era tudo igual.
Mesmo sem saber exatamente  o que.
- vai calibrar o pneu?
Meirinha não ia e nem sabia se precisava.
Mas foi e descobriu o maior amor do mundo.
No posto de gasolina.
Terça feira as cinco horas da tarde.
Quando não esperava nada e nem sabia de um amassadinho na porta que quase ninguém repara.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

cerveja quente




Cerveja quente  não é coisa que se resolve  de uma hora pra outra.
Tem desculpa sim, tem culpado também.  Foi alguém que esqueceu ou não soube contar direito quanta gente vinha.
Mesmo que não tenha vindo ninguém.
foi espaço que faltou
o gelo que não veio, a geladeira que lotou.
Faltou planejar e a cerveja ficou quente. Que pena.
Poe gelo no copo então.  Que horrível.
Deixa no freezer e tira antes de virar frozen. 
Mas isso não é exatamente uma solução quando o caso é literalmente de cerveja quente.
A tecnologia dos eletrodomésticos avançou demais da conta pra esquentar uma água do chá ou a sopa do jantar.
Em segundos tudo esquenta e não existe ainda um forno ao contrario.
Na internet tem um monte de receitas pra fazer gelo em cinco minutos pra fazer a cerveja ficar gelada em menos tempo ainda. Mas a lista de itens inclui além de sal e álcool absoluto, ureia em pó.
Que é vendida em loja de fertilizantes.
Você sabe onde tem uma? Quem vai sair pra comprar?
Não é mais fácil deixar a cerveja na geladeira com a calma que ela precisa?
Não seria mais fácil ter pensado antes ? voltar no tempo antes do sábado ou de qualquer feriado ou de qualquer dia antes?
Também não é fácil voltar no tempo.
Alguns cientistas dizem que pode  ser possível sim
em algum momento fazer viagens desse jeito.
Dobrando a curva do tempo.
Mas sempre pra frente.
Pro futuro pode ser que sim.
Mas pro passado é desde já quase impossível.
O que não deixa duvida que nem no futuro intergaláctico a cerveja quente vai continuar sendo um problema.
De previsão.
De planejamento.   
Orgulho silencioso de uma geladeira vazia
que guarda atrás da folha de alface triste
quase que pra sempre uma única cerveja
de garrafa
e gelada.